Thursday, February 12, 2009

Aricy Curvello destina nova remessa de livros à BNB


Poeta doa a Brasília acervo que levou uma vida para reunir e preservar

O poeta, ensaísta, tradutor e colecionador Aricy Curvello, que já enviou à Biblioteca Nacional de Brasília dez grandes remessas de livros, contendo mais de cinco mil volumes de sua coleção particular, prepara a 11ª com mais 200 títulos do acervo que, segundo ele próprio ressalta, levou “uma vida para reunir e preservar”. Entre as preciosidades doadas está a coleção de impressos da Impressão Régia do Rio de Janeiro (1808-1821), mas também a da História da Imprensa, do Jornal, da Revista e do Livro no Brasil, além de coleções específicas sobre Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, o Aleijadinho e Cândido Portinari.

Curvello atribui menos a preciosismo do que à sua busca de conhecimento a meticulosa organização de seu acervo em coleções específicas, que permitirão à BNB começar a preparar as suas próprias Coleções Especiais. “Minha formação não foi baseada no individualismo nem na Lei de Gerson (levar vantagem em tudo)”, diz o poeta nesta entrevista ao portal da BNB, referindo-se ao seu gesto de desprendimento em favor da Biblioteca de Brasília.

Nascido nas Minas Gerais, e apesar de filho de oficial do Exército, o poeta sofreu perseguições e prisões durante a ditadura militar, por apoiar movimentos de reformas sociais. Viveu no Rio, na Amazônia e na Europa, antes de se instalar no Espírito Santo. Considerado um dos poetas mais importantes de sua geração por críticos de peso, como Fábio Lucas e Assis Brasil, Aricy Curvello publicou mais de uma dezena de livros de verso e prosa, sem contar as participações em várias antologias nacionais e estrangeiras. Tem poemas traduzidos e publicados em espanhol, francês, inglês, italiano e sueco. Veja abaixo o que ele diz sobre suas doações à BNB.

Duas bibliotecas (haveria outras?) receberam livros de sua coleção particular – a da Universidade Federal de Uberlândia e a Biblioteca Nacional de Brasília. A primeira, certamente pela ligação afetiva com a cidade, que é sua terra natal, mas e a recém-criada biblioteca brasiliense, por que a honra de doação tão generosa?

AC - As duas bibliotecas mencionadas receberam a maior parte absoluta de meu acervo (outras, apenas obras específicas). A brasiliense é uma Biblioteca Nacional. Por definição, poderá tornar-se uma das instituições-guardiãs da memória de nosso país. Recém-criada, necessita e merece apoio de toda ordem. Está situada na capital federal do país, onde estão uma imensa população estudantil e todo o corpo diplomático estrangeiro credenciado junto ao nosso governo. E isto no centro geográfico das imensidões do Brasil. Uma grande gama de razões, portanto, levou-me a destinar à BNB o acervo mais precioso que levei uma vida para reunir e preservar.

Certamente é um gesto de grande desprendimento para um escritor-colecionador abrir mão de tantos títulos, entre eles, raridades. O que leva tal personagem ainda jovem, como é o seu caso, a uma decisão dessas?

AC - Tudo tem que ser feito enquanto a pessoa está a caminho, ou seja, em vida. E já não sou tão jovem... Para que a transferência do acervo se faça em boa ordem e da melhor forma possível, é preferível que eu a faça agora. Meus livros estão organizados em coleções específicas, que poderão auxiliar a Biblioteca a iniciar a formação de suas Coleções Especiais. Também conta o fato de ser um poeta, um escritor, um intelectual, o professor Antônio Miranda, meu amigo, uma pessoa em quem confio, o primeiro diretor da Biblioteca Nacional de Brasília.

Que títulos aponta como os mais valiosos dentre os que doou à BNB?

AC - Sem dúvida, a coleção de impressos da Impressão Régia do Rio de Janeiro (1808-1821) e as obras raras dos séculos 18/19 e 20. Também, as coleções específicas sobre Guimarães Rosa, Drummond, o Aleijadinho, Portinari. E, como não poderia deixar de ser, a da História da Imprensa, do Jornal, da Revista e do Livro no Brasil, que é de fundamental importância, não só pelas raridades que reuniu.

Os bibliotecários contam do seu preciosismo em organizar todos os volumes rigorosamente, facilitando enormemente o trabalho da catalogação. Perfeccionismo é um traço da sua personalidade?

AC - Tive a imensa felicidade de nascer em uma família em que há bons leitores. Minha avó materna (Nicolina Ottoni) chegou a reunir uma coleção quase completa da revista O Malho, dos anos 20 e 30 do século vinte. O primeiro livro de poemas que me caiu nas mãos, um de Bilac, era de minha mãe. Meu pai, oficial do Exército, deu-me várias obras dele da Bibliex (Biblioteca do Exército), depois de me haver dado a coleção completa da obra infanto-juvenil de Monteiro Lobato, várias de Júlio Verne, H.G. Wells e tantos outros. Só mais tarde pude aquilatar a imensa fortuna que tive em nascer em uma família assim, quando na maior parte do Brasil ocorria e ainda ocorre o absurdo antipedagógico de escolas de primeiro e segundo graus sem bibliotecas. E o hábito da leitura deve ser formado desde a primeira infância, como um hábito de prazer e de busca de conhecimento. E essa busca de conhecimento levou-me, não foi por preciosismo, a mais tarde organizar por coleções específicas a minha biblioteca.

Outra questão considerada surpreendente pelos técnicos é quanto ao envio dos livros, em pacotes por Sedex, o que lhe deve ter sido bastante dispendioso.
AC - Para padronizar o trabalho da remessa dos livros à BNB, a melhor solução foi adquirir dos próprios Correios as caixas padronizadas de papelão reforçado. Têm as mesmas cores do envelope Sedex, o que originou o engano de vocês. Fiz as remessas pelo sistema “encomenda sob registro”, cujas tarifas são muito mais suportáveis do que o caro Sedex, e se paga por peso (sem limite de quilos). Eu já havia adquirido esse know-how com a remessa das doações à Biblioteca Central da Universidade Federal de Uberlândia. Minha formação não foi baseada no individualismo nem na Lei de Gerson (levar vantagem em tudo). Desde cedo educaram-me no sentido do civismo (respeito e amor a nosso país e à nossa gente) e no sentido cristão de respeitar o outro. Ensinaram-me que, além de direitos, tenho uma série de obrigações, inclusive sociais. E isto, num país de imensas carências na área da educação e da cultura, creio que explica meu gesto que não é surpreendente. Julgo também que o melhor discurso é o exemplo. Que ele sirva para inspirar outras pessoas, bibliófilos ou não, escritores e intelectuais ou não, a doar acervos para a Biblioteca Nacional de Brasília.

Que observação especial faria a esses possíveis futuros doadores?
AC - Jamais remeti obras muito raras por meio dos Correios: seria um prejuízo irreparável, caso ocorresse roubo ou perda. Levei-as em mãos, quando de minha viagem a Brasília por ocasião da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília. As que ainda estão comigo serão levadas pessoalmente em uma próxima viagem ainda sem data e sem previsão.

Conheça mais sobre Aricy Curvello em:
http://www.antoniomiranda.com.br/Iberoamerica/brasil/aricy_curvello.html. Ainda: procure seu verbete na Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho, 2001, 2a. ed. (Rio: Biblioteca Nacional; Academia Brasileira de Letras; S. Paulo: Global Editora) ou no Dicionário de Escritores e Escritoras do Espírito Santo (org. pelo Prof. Francisco Aurélio Ribeiro, Vitória: Academia Espírito-santense de Escritores, 2008), entre outros.

Fotos: Claudio Araújo e Saulo Queiróz

Biblioteca Nacional de Brasília
Assessoria de Imprensa
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