Sunday, January 16, 2011

A EMPRESA PIAUHY

Segundo o grande mestre e antropólogo Darcy Ribeiro, em seu brilhante livro O Povo Brasileiro, a empresa Brasil, no plano econômico, é o resultado da implantação e da interação de quatro ordens de ação empresarial, com distintas funções, variadas formas de recrutamento da mão-de-obra e diferentes graus de rentabilidade. A primeira e principal delas, por sua alta eficácia operativa, foi a empresa escravista, vinculada à produção de açúcar e à mineração de ouro, inexistente no Piauí. A segunda, que também alcançou notável importância e prosperidade, foi a empresa comunitária jesuítica, fundada na mão-de-obra servil dos índios, que no Piauí, mesmo com a liderança de Mandu Ladino, sucumbiram, conforme atestam os belos e históricos versos de H. Dobal. A terceira, de rentabilidade muito menor, inexpressiva como fonte de enriquecimento, mas de alcance social substancialmente maior, foi a multiplicidade de microempresas de produção de gêneros de subsistência e de criação de gado, baseada em diferentes formas de aliciamento de mão-de-obra, que iam de formas espúrias de parceria até a escravização do indígena. Essa, diríamos, foi a que ”vingou” no Piauí. Sobre essas três esferas empresariais produtivas, ainda segundo Darcy Ribeiro, pairava, dominadora, uma quarta, constituída pelo núcleo portuário de banqueiros, armadores e comerciantes de importação e exportação. Esse setor parasitário era o componente predominante da economia colonial e o mais lucrativo dela. O Piauí, por não possuir, de fato, um porto, também ficou um pouco por fora dessa empreitada. Assim, olhando esse quadro, enxerga-se perfeitamente de onde viemos e o que somos. Nossas primeiras escolas e infraestruturas básicas como sistemas de abastecimento de água, energia, etc, datam apenas do início do século passado. Quase tudo ainda estar por se fazer.

Exemplo. Para abastecer de água os Sertões de Dentro, quando será construído o denominado Eixo Oeste da Transposição do rio São Francisco (com captação no reservatório de Sobradinho, adução ao longo da BR-324 e deságüe no riacho São Lourenço a montante da barragem Petrônio Portela), regularizando os rios Piauí e Canindé, atendendo a quase todo o semiárido piauiense, tudo isso ao custo estimado de apenas 3% dos investimentos nos eixos Leste e Oeste, que abastecerão os estados do Ceará, Rio Grande de Norte, Paraíba e Pernambuco?

Recentemente, milhões de excluídos foram inseridos ao mercado interno de consumo. Será que não está na hora de pararmos de ouvir, naquelas perturbadoras torres de sons dos carros no litoral, música de qualidade duvidosa e atentarmos para os belos versos de Durvalino Couto Filho, Fred Maia, Menezes y Morais, Rubervan du Nascimento e tantos outros excelentes poetas piauienses? Quando teremos uma Política Cultural decente?

Quando teremos uma Hidrovia no Parnaíba (com eclusas e calado para as embarcações) a escoar nossas riquezas, não uma futura ferrovia a transportar grãos a outros portos? Será ainda antes do fim de nosso agonizante e Velho Monge? Teremos um Porto em nosso litoral antes que todos os pés de bacuris, pequis, andirobas e carnaúbas sejam transformados em monocultura de eucaliptos para produção de celulose? Ou teremos que, eternamente, depender de alvarengagens de Tutóia. Será que teremos tudo isso antes do fim da construção de uma dúzia de barracas de praias, com cobertura de palha e banheiros voltados à vista de quem percorre de carro a avenida litorânea, em Atalaia, e meros mil e poucos metros de calçamentos? Quando deixaremos de ser uma empresa familiar, de ocupação de cargos por membros de um reduzido número de famílias? Conseguiremos exterminar o que ainda resta de nossa Mata Atlântica, por decreto ou por queima em fornos de lenha?

Fato é que, a pobre e fraca – intelectualmente – elite dirigente piauiense nunca conseguiu romper com esse gritante atraso e elevar substancialmente os níveis de desenvolvimento econômico e cultural do Estado do Piauí. Cem anos de Escola Normal não foram suficientes para educar um Estado? Parece que esse som-desejo, ainda ressoa forte, nas pedras escaldantes de nossos sertões e na voz de Chico Miguel (Pedra em Sobressalto, 1974): “Dos lábios do senhor,\a palavra.\Do peito escravo,\o medo.\E o reconhecer\da pedra de toque:\- Somos quanto somos.”.

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