Friday, February 04, 2011

O Delta do Parnaíba e o clima


03/02/2011 - 10h02
Por Alexandre Kemenes*, da Embrapa

Os ambientes costeiros são encontrados em todo o Planeta e são compostos de ecossistemas aquáticos diversos como manguezais, restingas, dunas, praias, ilhas ocupadas com Mata Atlântica, rios e igarapés. De modo geral, são vastos depósitos de carbono orgânico, ferramentas ambientais essenciais para o equilíbrio climático do planeta. Estes locais receberam o apelido por alguns pesquisadores de “Carbono Azul”, por sua habilidade extrema em sequestrar e armazenar o carbono atmosférico na forma de matéria orgânica do solo.

A quantidade de carbono fixada por um ambiente costeiro como o manguezal pode chegar a ser cinco vezes superior à que é fixada por uma floresta tropical como a Amazônia, sendo que a velocidade de fixação pode chegar a ser até 50 vezes maior. Na maioria dos ecossistemas aquáticos naturais, o carbono fixado retorna rapidamente à atmosfera pela decomposição, este fenômeno pouco ocorre em áreas de manguezais, pois, boa parte do carbono sintetizado é armazenada e permanece presa em meio às camadas de sedimento por centenas e até milhares de anos, ficando pouco disponível para a decomposição e ao processo de aquecimento global.

Aos poucos o Planeta vem perdendo estes valiosos estoques naturais de carbono devido ao desmatamento, contaminação, mudança no uso de terra e água e ocupação imobiliária. Estes locais vêm sendo degradados num ritmo assustador, cerca de 2% ao ano, com isso, se nada for feito, em cinqüenta anos não existirá mais este importante ecossistema. A perda de um manguezal pode ter um valor ainda mais significativo do que a perda de uma mesma área de floresta tropical para o processo de Aquecimento Global. Para cada hectare perdido deste ambiente costeiro, milhões de toneladas de um carbono milenar são emitidas para atmosfera, além de paralisar um importante elo no ciclo global do carbono.
Conhecer, respeitar, conservar e até mesmo reconstituir estes frágeis ecossistemas costeiros é um desafio necessário, que deverá trazer amplos benefícios à mitigação das emissões de gases de efeito estufa e ao processo de mudanças climáticas, assim como importantes reflexos junto à biodiversidade e para o sustento das populações tradicionais.

Estes ambientes costeiros estão largamente espalhados pelo mundo tropical, na região NE do Brasil temos importantes representantes, sendo o Delta do Parnaíba um dos mais representativos. É considerada uma área de extrema importância ecológica. O ambiente é rico em diversidade biológica e apresenta diversos ecossistemas aquáticos, tanto de água doce e salobra quanto salgada. O Rio Parnaíba após percorrer um longo trajeto (1.484 km) deságua no Oceano Atlântico, mas antes de entrar no mar divide-se em três braços, separados por dezenas de ilhas repletas de floresta tropical, formando um acidente geográfico conhecido como Delta do Parnaíba. Sua área é estimada em cerca de 2.700 km2, se inicia numa forma retangular e abre-se num leque com mais de 15 km de extensão. Alguns pesquisadores afirmam que o Delta se inicia a cerca de 20 km acima da cidade de Parnaíba. É um produto não só do rio, mas uma combinação dinâmica com o mar, originando uma comunidade biológica única.

Num breve passeio de barco de quatro horas pelo Delta do Parnaíba podemos registrar algumas informações importantes em relação à paisagem local, composta por matas tropicais, dunas, manguezais, ilhas cortadas por canais, praias e restingas numa combinação complexa. A vegetação é abundante, variada, apresentando nos terrenos mais baixos palmeiras e manguezais; nas inúmeras ilhas aparecem matas com madeiras de Lei e diversas espécies de palmeiras, ocorrendo frequentemente extensos cajueiros até mesmo nos terrenos mais baixos. Mas a maior extensão do Delta é ocupada por manguezais, que parecem não ter fim, são impressionantes e emolduram toda a paisagem.

Estes ecossistemas costeiros constituem um grande potencial para o sequestro do carbono atmosférico, ou seja, para a mitigação do processo de aquecimento global. As alterações antrópicas junto a estes ecossistemas podem trazer enormes prejuízos ao equilíbrio da dinâmica do balanço regional de carbono e com profundos reflexos em relação às mudanças climáticas globais.

O funcionamento deste sistema oferece uma boa oportunidade para a criação de novos mecanismos de incentivo à proteção ambiental, preservação e valoração da região costeira do Brasil e do mundo. Estes podem ser estruturados dentro dos mesmos moldes de projetos REED+ (Reduções das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), mecanismo criado para a preservação de florestas tropicais, e que funcionam pelo pagamento do carbono fixado anualmente por hectare em áreas de florestas tropicais preservadas.

Os ambientes costeiros, principalmente os manguezais, têm a vantagem da eficiência na fixação de carbono por metro quadrado, podendo chegar a ser centenas de vezes superior que nas florestas tropicais, sendo que o valor da tonelada de carbono seqüestrado deve permanecer o mesmo para estes dois ambientes. Entretanto, hoje existe pouco conhecimento nesta área de estudo, em todo mundo, assim, para chegar a valores quantitativos de seqüestro de carbono nas áreas costeiras, serão necessários amplos investimentos em longas pesquisas científicas a fim de determinar o potencial real destes locais na mitigação do processo de aquecimento global.

*Alexandre Kemenes é pesquisador da Embrapa Meio Norte e do Programa LBA do INPA.

(Envolverde/ECO 21)

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