Friday, June 15, 2012

Carlão Reichenbach, o primeiro cineasta-blogueiro

Em entrevista inédita, Carlos Reichenbach fala sobre sua relação precursora com a internet Agência O Globo Publicação: 15/06/2012 10:04 Atualização: 15/06/2012 10:18 Carlos Reichenbach foi um dos primeiros diretores brasileiros a usar os blogs para descrever os bastidores de suas filmagens O cineasta Carlos Reichenbach, morto na quinta-feira após uma parada cardíaca, usava pelo menos quatro e-mails. Um mais formal, com seu sobrenome imperativo (“reichenbach@”); outro menos sério, mas ainda altivo (“comodoro@”); um terceiro poético (“olhos.livres@”) e o quarto, nostálgico (“doiscorregos@”, nome de um de seus filmes, de 1999, inspirado em uma visita à cidade paulista de Dois Córregos). Quem trocasse e-mails com ele era confundido por um quase-enredo de referências: ora respondia como comodoro, ora com olhos livres, ora por dois córregos. Mas os muitos emails eram só um dos sintomas da relação intensa que Carlão desenvolveu com a internet, desde sua popularização, no final dos anos 90. Em vez de resmungar de tanta modernidade, como muitos dos seus contemporâneos, ele percebeu as possibilidades da rede e incorporou a interatividade ao seu processo cinematográfico. Foi um dos primeiros diretores brasileiros a usar os blogs para descrever os bastidores de suas filmagens, expor dúvidas, ouvir sugestões, e até discutir com os leitores/espectadores, se fosse preciso, na defesa de um take ou da escalação de um ator. Seu conhecimento profundo da história do cinema fazia dos posts verdadeiras aulas de roteiro e direção (tudo organizadíssimo, até hoje, no www.olhoslivres.com). No mesmo endereço, criou ainda um inventário sobre cinema, com listas de sites sobre todo tipo de informação relacionada. Inventou até um prêmio para os melhores endereços – o “Quepe do Comodoro”. Recentemente, adotou o Facebook como mais uma plataforma para disseminar listas e opiniões sobre filmes. Em 2007, enquanto rodava “Falsa loura”, Carlão explicou a importância desta experiência virtual em uma entrevista por e-mail, que acabou nunca sendo publicada. Como começou esta relação tão intensa com a internet? Eu venho escrevendo na web há mais de seis anos. Comecei com uma coluna no portal Terra chamada CARTAS DO REICHENBOMBER; apelido dado pelo amigo e poeta Roberto Piva, já que somos ambos fascinados pelos pensadores libertários (http://www.terra.com.br/cinema/opiniao/coluna_arq.htm#reich). Lá escrevia por diletantismo sobre filmes e assuntos correlatos. Depois mantive por dois anos uma coluna no Cineclick. Nessa época eu era pago para isso. Foi lá que comecei a escrever um diário das filmagens de GAROTAS DO ABC (na época o filme se intitulava AURÉLIA SCHWARZENEGA). Na terceira semana de filmagem, o Cineclick suspendeu a coluna por razões econômicas e eu recebi vários e-mails de leitores e amigos reclamando o meu silêncio. Foi então, em fevereiro de 2004, que resolvi criar um blog em outro provedor, o REDUTO DO COMODORO (http://redutodocomodoro.zip.net/), para reencontrar os leitores e amigos virtuais e escrever sobre tudo o que eu quisesse, mas sempre dando ênfase ao cinema e às sessões que eu organizo mensalmente no Cinesesc, em São Paulo, voltadas aos filmes que dificilmente chegam ao país e aos cinemas nativos. E o blog foi crescendo... O sucesso destas sessões e o retorno do blog me obrigaram a comprar um domínio, que nominei de OLHOS LIVRES; meu filho Leonel me ensinou a mexer nos programas e assim criamos o site OLHOS LIVRES (http://www.olhoslivres.com), onde posso oferecer informações a respeito dos meus filmes e das minhas atividades a qualquer pessoa interessada. Isso me livra de ficar enviando currículo a Deus e todo mundo. No site, além das fichas de todos os filmes fiz, disponibilizei MP3 de algumas trilhas e comecei a inventariar todos os sites e blogs de cinema e artes correlatas. Criei um prêmio chamado QUEPE DO COMODORO, justamente para premiar os melhores sites e blogs de cinema do país. Acho que esta foi uma empreitada pioneira e é esta página de links (http://www.olhoslivres.com/links.htm) o meu endereço mais visitado todos os dias, até hoje. Na Olhos Livres pude também driblar a limitação de texto habitual dos blogs. Hoje, mantenho o blog, o site e algumas comunidades no Orkut. Recebi vários convites para manter colunas permanentes em outros endereços, mas nenhum deles me permite a liberdade do meu próprio espaço, onde falo de cinema, música, artes em geral, comportamento, humor, mulheres bonitas e até de presunto de Parma. Como surgiu a idéia de compartilhar com os internautas os bastidores das filmagens? Comecei inicialmente a postar o material de filmagem de FALSA LOURA por uma razão muito específica: como estávamos ocupados durante o dia com a filmagem e eu não tinha tempo para aprovar as fotos de cena da fotógrafa Luciana Benaduce, tive a idéia de usar o blog para isso. Além disso, nossas divulgadoras queriam material para a imprensa durante a filmagem. Eu postava a foto no blog e ela era distribuída para a mídia. Como, para minha surpresa, os leitores fiéis do blog foram pedindo mais imagens de FALSA LOURA, eu continuei postando mais fotos de cena e de trabalho. O curioso é que com isso, o blog ganhou leitores atípicos; entre eles, fãs assumidas de Maurício Mattar, Cauã Reymond, da banda Trupe e até da jovem atriz Rosanne Mulholland. Como é a sua relação com os leitores? O retorno do blog é fantástico. Fiz muitos amigos via blog e site. Vários deles vim a conhecer nos festivais de cinema que passei nos últimos anos. Conheci pessoalmente amigos virtuais herdados do blog em Fortaleza, Recife, na França, nos Estados Unidos, etc. O blog serve também para tirar dúvidas do leitor. Tem gente que escreve para saber onde encontrar esse ou aquele filme; quando não sei a resposta, eu pergunto aos leitores fiéis. Agora, quem quiser saber em que pé está a montagem e finalização de FALSA LOURA, é só entrar no REDUTO DO COMODORO ou na comunidade do filme no Orkut. De que maneira os internautas interferem nos filmes? Eu não vejo como interferência, mas em certos casos, como subsídio. Através do blog eu fico sabendo o que agrada ou desagrada mais ao espectador habitual dos meus filmes. Sinto que alguns dos meus leitores ficam inibidos em escrever, já que posso acompanhar o volume de visitantes tanto no blog quanto no site. Já recebi e-mail elogiando os meus filmes que menos gosto e outros detratando os que adoro. Não importa, isso não vai mudar o meu jeito de filmar. Só não levo em consideração a opinião de um espectador eventual dos meus filmes; ele não vai me conhecer tendo visto somente ANJOS DO ARRABALDE. No entanto, uma opinião sincera, inteligente e luminar pode até me fazer mudar o roteiro que estou escrevendo. Fiz uma experiência quase suicida no REDUTO, no final do ano passado: postei vários dos meus argumentos que eu gostaria de filmar um dia, indagando aos amigos e fiéis do endereço, em qual deles eu deveria centrar esforços na escritura do roteiro definitivo. O retorno foi fenomenal e, para mim, surpreendente. Isso me fez mudar os meus planos e investir totalmente nos roteiros que estou desenvolvendo atualmente: ORIENTE O ANJO PARA A CRUZ e AS VESTAIS INSURRETAS. Foram estes os dois argumentos (entre quase quinze histórias que geraram maior curiosidade nos leitores. Você acompanha outros blogs de diretores? É claro que sim. A página de links da OLHOS LIVRES talvez seja o mais completo inventário de sites e blogs de cinema do país. Só não entram neste inventário os sites e blogs que deliberadamente menosprezam ou ignoram o cinema brasileiro. Fonte: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/viver/2012/06/15/internas_viver,379225/carlao-reichenbach-o-primeiro-cineasta-blogueiro.shtml

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