Tuesday, April 09, 2013

Homem sai do Piauí para Brasília em pau de arara e vira dono de livraria

07/04/2013 21h21 - Atualizado em 08/04/2013 00h36

Chico trabalhou desde criança como vendedor de jornais até se tornar um dos livreiros mais famosos da cidade.

 Ele saiu do Piauí para Brasília em pau de arara. Trabalhou desde criança como vendedor de jornais. Foi lendo as letrinhas miúdas todos os dias que encontrou sua paixão: a literatura. Hoje, o Chico é dono de uma das livrarias mais famosas na cidade. E há 38 anos, conquista fãs na Universidade de Brasília por sua sabedoria e pela vontade de compartilhar conhecimento.
Para a filha, ele vive no mundo da lua. “Ele sonha muito alto. A mente dele vai além do que ele pode”, observa a estudante Bruna Carvalho.

Para a mulher, uma ideia fixa o governa. “Ele dorme pensando em livros, acorda pensando em livros, almoça pensando em livros e sonha com os livros”, conta a dona de casa Cláudia Maria Carvalho.
Para os alunos da Universidade de Brasília, é um ídolo. Para os professores, uma celebridade.

Afinal, quem é? O que quer Francisco Joaquim de Carvalho?

“Conceituar o mundo através da leitura, do trabalho com os livros, sabe?”, responde o livreiro.

Um menino pobre que veio do Piauí. Só a viagem para Brasília já daria um livro. “Saíram meus oito irmãos. A gente veio de pau de arara”.

Trabalhou desde garoto nas ruas da capital. “Comecei a vender jornal”. Todo mundo estranhava. Um jornaleiro que lia o jornal inteiro antes de entregá-lo?

“Eu comecei a entender um pouco do mundo através dos jornais e das revistas”, diz.

Como se o mundo dos jornais fosse um estágio para o universo dos livros. “Acho que já tinha uma proposição na vida de ser um livreiro, de trabalhar com livro. Pra mim, acho que é uma predestinação”.

E parece até que já estava escrito: o ex-jornaleiro foi vender livros na universidade.

O Chico só conseguiu concluir o ensino médio. Mas poucos têm tanto tempo de universidade quanto ele. Em 38 anos de UNB, o livreiro que nunca fez faculdade ajudou gerações e gerações de universitários que encontraram um atalho para o conhecimento na Livraria do Chico.

Eis o território do Chico Livreiro. “Tem a sua tradição; o seu espaço aqui que é praticamente sagrado”, diz o estudante Luís Cristóvão Lima.

Esgotado? Desconhecido? Impossível? O Chico acha.
“A gente fala o nome do livro e ele conhece até a editora”, conta a estudante Priscila de Luna.
“Ele é do tipo do livreiro antigo, que conhece todas as edições, sabe exatamente localizar o livro que você precisa”, elogia o professor da UNB Gustavo de Castro.
Não se engane com a aparência de caos. “O Chiquinho conhece isso aqui na palma da mão. E não é de agora. Olha, eu estudei na UNB em 1985!”, lembra a artista plástica
Maria de Lourdes da Costa e Silva.
Um hábito dos tempos de jornaleiro: sair catando leitores pelo caminho. Perambular pelos corredores da UNB deu a Chico a grande oportunidade que ele esperava: conviver com escritores e intelectuais.

“Todos os pensadores que iam na universidade, eu pegava autógrafo. Eu tenho do Moacyr Scliar, do Ariano Suassuana, do carteiro e o poeta: Antonio Skármeta”.

De Cora Coralina, famosa escritora goiana, a dedicatória é quase um poema. “Seja você sempre robusto e de boa sombra, como o Carvalho do seu nome. Cora Coralina”.

A maior emoção da vida: dois dedos de prosa com o Nobel de literatura José Saramago num corredor da UNB.

“Conversou bem pouquinho, mas já foi o bastante pra mim, pra ficar feliz para o resto da vida, sabe?”

E uma predileção confessa: “Eu adoro Paulo Leminski!”.
Gostar de ler dá a Chico a segurança da indicação correta. Seja para quem gosta de biografia, seja para quem gosta de filosofia.

A fórmula? O segredo? “É um dom!”.

Além, obviamente, da imensa popularidade de Chico Livreiro.

Ele é mais conhecido do que o reitor na UNB? “Até porque o reitor passa, e ele permanece”, responde o professor da UNB Antônico Miranda.
Porque o que fica é o desejo de compartilhar com os outros a força da criação humana.

“Você só existe na vida através da leitura, do conhecimento, da saúde e do amor ao próximo. Acho que até o último segundo da minha existência eu vou trabalhar com livro, prestar serviço para as pessoas e para a humanidade”, afirma Chico.

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